[Artigo] Empoderamento – uma contribuição para maior autonomia do coachee.

Por Simone Kramer Silva

Para Paulo Freire empoderamento é: “A capacidade de o indivíduo realizar por si mesmo, as mudanças necessárias para evoluir e se fortalecer”O educador foi um dos primeiros brasileiros a traduzir o termo “empowerment”.

Nestes quase dez anos em que temos atuado como Coach Executivo e Empresarial (CoEE) pudemos perceber que na maioria dos profissionais que se tornaram Coachees (o cliente do Coach) que poucos parecem ter consciência plena das características ou competências que contribuíram para que chegassem até onde se encontravam naquele momento e quando reconheciam alguns não a identificavam como diferencial para que tenham obtido os resultados até ali alcançados. Nossa intenção neste artigo é compartilhar algumas vivências e fazer algumas reflexões sobre algumas possibilidades para que isto ocorra e a importância no empoderamento e consequente autonomia do nosso cliente.

No papel de Coach e ao começar atender um novo Coachee solicitamos, em grande parte dos casos, nos focamos em conhecer um pouco mais sobre este profissional sugerindo que nos conte sua trajetória e as escolhas que vem fazendo até este momento. Além de contribuir no estabelecimento de uma relação de confiança auxilia também no entendimento dos caminhos que vem realizando. Durante estes relatos começamos a levantar hipóteses das características e competências que vão surgindo nesta construção ainda que neste momento não as compartilhemos com o mesmo. Na continuidade convidamos a fazer reflexões que possibilitem estabelecer conexões entre as atividades exercidas aos comportamentos e competências que vão se estabelecendo. Abordagem que tem tido eficácia, pois diante deste exercício vão se dando conta das características que têm apresentando e passam a reconhecer o seu valor e com isto vão se apropriando do que lhes “pertence”, ou seja, a capacidade de construir uma carreira. Ao mesmo tempo percebemos que ao se tornarem consciente de seus atributos ficam perplexos, o que de alguma forma corrobora que até o momento isto não era de seu conhecimento.

Vamos relatar alguns diálogos de casos atendidos onde pretendemos demonstram o que vimos abordando como por exemplo no caso de Jéssica (*), profissional que teve experiência por alguns anos na gestão de pessoas, em países do Oriente, com culturas adversas e onde teve reconhecimento por sua contribuição e ao retornar não se sente em condições de pleitear uma oportunidade de estágio em RH. Quando lhe sugiro que identifique que características estavam presentes nas atividades que realizou profissionalmente, nas suas tarefas, na condução de pessoas, Jéssica aceita e no outro encontro diz: – Eu jamais tinha me dado conta destas características em mim e onde elas estavam presentes nas atividades que eu exercia! Sinto que preciso pensar mais sobre isto pois me auxilia que me sinta mais preparada para uma entrevista de trabalho. Recorro também ao caso que aqui chamarei de Wanda (*). Ainda no primeiro encontro, quando relatava sua trajetória profissional citou que ingressou na empresa como recepcionista e que era agora, dez anos depois uma Diretora. Não tendo percebido nenhum entusiasmo, orgulho ou reconhecimento pela sua conquista perguntamos: “Tu vez algum valor nesta conquista?” e responde: – Não. Pergunto: – Estas dizendo que entraste como recepcionista e dez anos depois és uma diretora de destaque (comentou também que quando uma unidade de negócio estava com dificuldades pediam a ela para assumir e “colocar a casa em ordem”) e que isto
não tem valor? Wanda perplexa me responde: – Sabe que nunca tinha me dado conta disto? Sua motivação para o Processo era fazer uma transição de empresa. Durante os encontros foi preferindo desenvolver algumas
competências na gestão de pessoas e ao final disse que não sairia por hora. Um ano depois retorna e diz: – Agora quero sair e faz seu movimento profissional com tranquilidade.

Em outro caso temos João (*), com 20 e poucos anos e que nunca tinha trabalhado. Veio com o objetivo de iniciar uma vida profissional. Com ensino médio completo não sabia o que queria e disse: – Eu não sei o que quero fazer mas não quero cursar nenhuma faculdade será que consigo ser algo? Como já tinha trazido o fato de seu pai ser um profissional de muito sucesso e empenho, perguntamos: – Quem disse que para ter uma carreira precisa ter nível superior? E responde: -Ninguém. Junto com a resposta percebo uma expressão de alívio e complementamos: – Acreditas que tenha algo que não possas fazer para te qualificar? Responde: – Acredito que não. Passamos a perceber que João vai se dando conta de que suas possibilidades dependem
de suas escolhas e da posterior atitude. Na sequência seu processo se focou em levantar possibilidades e avaliá-las e concluiu o Coaching tendo ingressado como um analista administrativo em uma Clínica, tendo que lidar com gestão de alguns funcionários e com isto enfrentando seu perfil mais reservado. Há dois meses João (*) volta e conta estar casado, formado no nível superior e com aspirações de uma carreira política. Hoje está no cargo de gestão e fala que contratou pessoas para que se dedique mais ao estratégico. Além das realizações alcançadas percebe-se em João uma postura mais segura, uma fala mais assertiva. Maior empoderamento.

Embora tenhamos compartilhado três casos, reflexões como estas e perplexidade diante da tomada de consciência por parte do Coachee acerca de suas características comportamentais são observados em um grande número de clientes o que nos faz refletir: Porque estamos sempre mais focados em olhar o que nos “falta”? Porque se apresenta tanta dificuldade de nos apropriarmos de nossas virtudes? Temos ideia de que a resposta seja bem mais complexa do que aqui abordamos, mas nos faz imaginar e observar que talvez pouco sejamos orientado e estimulados a reconhecer em nós nossas capacitações. As empresas constantemente tem investido no desenvolvimento dos líderes para que, dentre outras habilidades, estejam melhor habilitados a
dar e receber feedback e assim se torne uma prática comum. Ainda que não o seja.

De outro lado temos o ambiente e os aspectos culturais onde dizemos ou ouvimos: “…não fazes mais do que tua obrigação”; “A única coisa que fazes é estudar!”, “Ganha teu salário para fazer o que fazes e bem feito!” e assim por diante. A cultura pela qual estamos permeados é a do reconhecimento? O pouco que a literatura aborda sobre o tema do empoderamento, seja no Coaching ou na Pedagogia encontramos citações sobre a obra de Paulo Freire e vamos utilizá-la pois sua abordagem vem ao encontro do que acreditamos como objetivo do Processo de CoEE: a autonomia. Empoderamento implica conquista, avanço e superação por parte daquele que se empodera (sujeito ativo do processo), e não uma simples doação ou transferência por  enevolência, como denota o termo inglês empowerment, que transforma o sujeito em objeto passivo “(SCHIAVO e MOREIRA, 2005)”. Pode-se dizer que Paulo Freire criou um significado especial para a palavra Empoderamento
no contexto da filosofia e da educação/desenvolvimento, não sendo um movimento que ocorre de fora para dentro, como o Empowerment , mas sim de dentro para fora pela conquista e autoconhecimento. Pelo reconhecimento em si próprio das capacitações para enfrentar o externo. Cabe ao Coach oportunizar questionamentos que levem o Coachee a se apropriar de suas características de maneira a se fortalecer, desenvolver e aprender – isto é um dos objetivos do Coaching.

Não nos parece difícil concluir que na nossa experiência se constata o quanto o Processo de Coaching pode contribuir na melhor estruturação e na melhoria da autoconfiança através do reconhecimento das habilidades presentes em nossos clientes, mas também verificamos que ações para o desenvolvimento das lideranças nas organizações podem colaborar e dar sustentabilidade para que estas “descobertas” possam contribuir para termos profissionais mais maduros, conscientes e satisfeitos.

BIBLIOGRAFIA
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia
do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
SCHIAVO, Marcio R. e MOREIRA, Eliesio N.Glossário Social.
Rio de Janeiro:Comunicarte, 2005.